Estava eu dentro da varanda passando o fio da Sky por cima da madeira que passa por baixo da cumieira - o ponto mais alto do telhado - quando precisei da ajuda de alguém para segurar a escada que estava escorregando no piso liso.
Olho para lá e para cá e não vejo ninguém. Aí, subindo pelo caminho de pedras, vinha o Dudu todo feliz porque tinha acabado de inspecionar uns ninhos e confirmado que não tinha nenhum ovo novo e quente. Nenhuma galinha o tinha enganado e botado algum ovo econdidinho e saído de mansinho sem cantar para o Dudu não ver.
Ele estava de olhos e ouvidos atentos. Toda vez que uma galinha botava um ovo e saía cantando, Dudu saía correndo procurando nos ninhos para ver onde é que estava o novo ovo. Mas, de vez em quando, ele não confiava muito que a galinha ia cantar e saía conferindo com os próprios olhos.
Aí teve uma hora que o Fred - o galo - cantou alto e fez um barulho danado, Dudu parou, ouviu e falou sozinho:
-- Ué, esse aí acho que não foi a galinha não. Tá cantando muito grosso. Acho que foi o galo, e como galo não bota ovo, não preciso ir olhar.
Bem, aí veio o Dudu subindo sorridente e eu o chamei para segurar a escada para mim. Eu mesmo não estava acreditando muito que o Dudu pudesse impedir uma catástrofe caso a escada começasse a escorregar. Mas como estava ansioso para acabar o serviço e o Dudu era o único por ali, resolvi contar com ele mesmo.
Foi divertido.
Subi 3 degraus mas precisava subir mais um para alcançar a cumieira quando Dudu logo avisou:
-- Tio, acho que você não devia subir mais um não, porque vai cair. Acho que vai escorregar e eu não vou agüentar.
-- Sabe que você tem razão, acho que não vou arriscar -- respondi.
Desci da escada, fiquei pensando por uns instantes, Dudu ficou por ali esperando. Peguei a outra escada, fiz um apoio escorado na beira da varanda e amarrei com a corrente de prender o cachorro.
-- Ah, o tio amarrou com a corrente da Bolinha. Tio, acho que agora não cai não - disse o Dudu.
Subo os 4 degraus, começo a passar o fio e comento com o Dudu lá de cima:
-- Dudu, sabe quem é bom de mexer com esse negócio de passar fio?
-- Não - responde ele.
-- O Edson - respondo - ele é que é bom de passar fio.
-- Ah, meu pai, ele é bom mesmo. Ele é bom de trabalhar com força elétrica, já trabalhou na Prefeitura. Sabe o que ele fazia na Prefeitura?
-- Não - respondo.
-- Ele cortava a força elétrica de quem não pagava a conta no fim do mês. Ele usava um alicate para cortar o fio no poste. Aí ficava todo mundo no escuro - explica o Dudu.
-- Puxa - comento - mas que coisa terrível. Acho que tinha muita gente que não gostava dele então. Onde já se viu, cortar a força elétrica e deixar todo mundo no escuro.
Dudu, interessado na conversa enquanto me observa passando o fio, continua:
-- É, mas tem que cortar mesmo. Não paga. Quem manda gastar todo o dinheiro e não pagar a conta de luz.
-- É verdade - confirmo - Dudu, isso é verdade mesmo. Tem gente que gasta todo o dinheiro, compra doce, bala, coisas à toa e não paga as contas. Todo mundo tem que primeiro pagar todas as contas e só depois gastar o dinheiro com bobagem - explico.
E continuo.
-- Mas Dudu, me diz uma coisa: se cortar a luz aí fica todo mundo no escuro, não pode ver TV e nem dá para tomar banho quente. Aí como faz? Você já conheceu alguém que ficou assim, sem luz e sem água quente para tomar banho?
-- Claro que eu conheço.
-- Ah é? Quem?
-- Eu mesmo ué. Lá em casa ficou sem luz e eu tinha que tomar banho no balde.
Não resisto a gargalhada e tenho que me segurar no alto da viga da cumieira para não cair de tanto rir.
-- Verdade, Dudu? Caraca, mas e aí? Como é que você se virou?
-- Ah, não sei direito, mas acho que pagaram a conta e luz foi ligada de novo. Mas não tinha sido o meu pai que cortou, não - explicou.
-- Ah, que bom. Ainda bem que nunca mais aconteceu né? - pergunto.
-- Acho que não. Tem gente que paga a conta, meu pai liga a força, depois eles não pagam de novo, meu pai volta e corta de novo. Se pagar, fica com luz, se não pagar, meu pai vem e corta. Não tem moleza, não....