27 novembro 2008

Entrevado

O tempo fechou e começa a cair uns pingos grandões. Deitado na cama, pela meia folha da porta-balcão aberta, posso ver o céu negro até onde a vista alcança. Uma árvore ali na rua balança furiosamente conforme manda o vento forte que precede a chuva. Pela porta aberta, de vez em quando, entra uma lufada de pingos da chuva trazida pelos ventos que sopram em todas as direções. Hoje já é Quinta-feira e, pelo quarto dia consecutivo, ainda estou na cama sem poder levantar, andar ou mesmo ficar sentado por mais de 5 minutos seguidos. Quando tenho que fazê-lo para ir ao banheiro, tomar banho ou mesmo correr até a cozinha para pegar algo, sou obrigado a voltar rápido sob o jugo dessa dor lancinante que me trespassa o lado esquerdo do corpo. Mesmo deitado, para suportar razoavelmente a dor, tenho que tomar codeína a cada 6 horas. Depois de engolir um comprimido inteiro de codaten, vem um relaxamento salvador e viciante que deixa calmo e sonolento. Nessa hora, se me aconchegar melhor no travesseiro e ficar bem quieto e tranquilo, logo sou derrubado por um sono profundo e cheio de sonhos esquisitos.

Durante esses 4 dias de repouso forçado o céu sempre esteve nublado na maior parte do dia e, quase sempre, chove à tarde amenizando a temperatura e tornando um pouquinho mais agradável esse sacrifício.
O horizonte escuro e os trovões retumbando ao longe, tranquilizam o meu espírito e me dão forças para agüentar o tempo que ainda for necessário até o dia da cirurgia que vai me resolver esse problema.

Outro dia, revendo o registro da experiência de 8 anos atrás, recordei como eu estava confiante de que a primeira cirurgia seria a primeira e a última. Cheguei mesmo a acreditar que eu até poderia ter hérnia de novo, mas não nesse mesmo lugar. Agora confirmei que o médico até estava certo nas suas expectativas, mas o tempo se encarregou de nos desmentir e provar que estávamos completamente enganados. Havia sim uma pequena chance de reincidência e essa verdade estatística caprichosamente não me deixou de fora. Baseado nessa triste experiência, dessa vez estou mais realista e com as expectativas mais ajustadas e calibradas. Certamente que devo me livrar desse entrevamento doloroso, mas não espero corrigir o problema definitivamente. Acho mesmo que continuarei com dores lombares, formigamento, queimação, todas essas coisas chatas que acomete a gente que se esforça um pouco mais. Mas nada que um bom diclofenaco não possa resolver em poucos dias.
Hoje sei que, viver uma vida normal, pode significar viver exatamente como eu estava vivendo antes de travar.

Depois que fiz a primeira cirurgia, constatei que só tomei aquela decisão porque estava travado e sem esperanças de resolver o problema a curto ou mesmo médio prazo. Criei também uma teoria de que, se não fosse pelo travamento, jamais teria decidido operar e que, certamente, pensaria muito mais e com mais clareza se outra necessidade aparecesse.

E apareceu. Estou vivendo essa nova necessidade exatamente nesse momento, deitado na mesma cama, olhando pela mesma janela, escrevendo no mesmo computador apoiado sobre o mesmo tipo de aparato feito pelo mesmo Dirceu de antes enquanto aguardo um contato do hospital para me avisar de que já está tudo arranjado e qual será a data da cirurgia.

Uma coisa é certa - é muito mais fácil decidir enquanto se está travado em cima de uma cama do que calçado de botas fazendo buracos no chão para plantar mudas de árvore, armando rede no rio ou caminhando todo suarento pelas ruas de terra, passando debaixo de cerca e acelerando o passo para fugir de gado nelore.

É meus amigos, hoje é só o quarto dia. Espero que não tenha que ficar aqui por mais de 3 semanas...